De Rubem Alves, mestre (2):
Acho que eu já tinha lido esse trecho em algum lugar. O fato é que hoje o revi no
blog da Merit e entendi que ele pode entrar aqui no Simplificar É. Embora isso que o texto diz não seja nem de longe algo simples de executar.
"... para ouvir são necessários dois requisitos: 'Ficar em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não se ouve o que outrem fala. Enquanto se é falado, o ouvinte pensa nas coisas que iria falar quando terminar a fala (tola) do interlocutor em questão. Fala-se como se outrem não tivesse falado'. Depois: 'Ouvir o que se falou. Mas isso que foi falado como novidade o ouvinte já pensou há tempo. É coisa velha para quem escuta, tanto que nem precisa pensar sobre o que foi falado'. Em ambos os casos, o ouvinte está chamando o interlocutor de tolo. O que seria pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: 'Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou'. E assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, começa-se a ouvir coisas que não se ouvia." (ESCUTATÓRIA - RUBENS ALVES).
As voltas que o mundo dá
Acho no mínimo intrigante o fato de que, na maior parte das vezes, o que falamos - seja como consolo a um amigo, seja numa discussão, num sermão etc - o que falamos ao outro serve, no fundo, no fundo, a nós mesmos.
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Lembrei da historinha aquela da mãe que foi pedir ao monge/ao lama, sei lá, alguém ícone assim, para que ajudasse seu filho a parar de comer tanto doce. O velhinho ouviu o lamento da pobre mãe, ao lado do (gordinho) filho e nada fez. Apenas disse para que voltassem na semana seguinte. E eles voltaram sei lá quantas vezes, e o velho sábio repetia: voltem na semana que vem. Até que um dia o velho disse diferente: olhou pro gurizinho e falou simplesmente para que ele parasse de comer doces.
A mulher, indignada, quis satisfações: se era só isso por que ele não havia dito antes? O velho sábio disse então que ele próprio precisava parar de comer doces antes de dizer isso ao filho dela.
O que eu gosto dessa história é que realmente uma coisa dita com plena verdade de ação, ou seja, uma coisa dita porque de fato ela é feita, tem uma força absurda. Bem diferente daquela dita da boca pra fora, sem que examinemos nossos próprios atos.
Quem já experimentou sabe do que eu tô falando.
As coisas ditas da boca pra fora formam um lixo invisível, mas não menos poluente. Porque em todas as dimensões energéticas, das mais materiais até as mais sutis, em todas elas temos nossos lixões.
do filme Nosso Lar:
"Quantos anos são necessários para se reconstruir um instante?"